quarta-feira, 9 de novembro de 2016

JUIZO TEMERÁRIO

“Propôs-lhes também uma parábola: Pode, porventura, um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no barranco? O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído será como o seu mestre. Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Como poderás dizer a teu irmão: Deixa, irmão, que eu tire o argueiro do teu olho, não vendo tu mesmo a trave que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão.” ( Lc. 6:39-42)

Jesus não disse que devemos ignorar o mal, mas que não devemos ficar tão preocupados em notar os pecados dos outros a ponto de descuidarmos de nossa vida, incidindo nos mesmos erros.
Jesus contou esta parábola aos discípulos.

O conhecimento abundante, disponibilizado pelos muitos meios e mecanismos existentes, hoje, no contexto da sociedade contemporânea mundial, bem como o acesso ao incalculável volume de informações têm configurado uma situação muito peculiar e perigosa.
Parece ser incoerente e inexata uma asserção tal.
Ora, não é lógico, e é pouco racional pensar, que na medida em que se conhece mais e mais se obtém, com facilidade, informações em grande quantidade e necessárias que se configurem riscos e prejuízos.
Conhecimento e informações, de per si, têm a faculdade de evitar riscos, superar obstáculos e trazer benefícios.
Contudo, é verdade que o conhecimento ampliado e as informações numerosas estão conduzindo as pessoas numa dinâmica que não lhes tem permitido alcançar uma capacidade mais profunda, no dia a dia, no que diz respeito à autocrítica.

A autocrítica é um indispensável instrumento para que se conquiste, alimente e toda pessoa se mantenha dentro dos parâmetros e princípios éticos norteadores da vida comum do quotidiano e nas grandes questões.
O fato é que o conhecimento e as informações estão especializando as inteligências nesta grande capacidade de avaliar e emitir juízos.
Isso é bom? Obviamente que sim.
Qual é, então, o lado ruim da questão se é que ele possa existir?
Este lado ruim existe sim.
Sua existência é comprometedora para que valores éticos possam presidir mais a conduta, seja em nível individual quanto social e político, como condição imprescindível para içar a sociedade deste marasmo no qual ela está enterrada, abrindo-lhe um horizonte novo.

Ora, assiste-se a um desenrolar de raciocínios e posicionamentos que apontam soluções para o problema da violência, por exemplo, quando se fala da diminuição da idade penal.
Este foco fica desconectado, por exemplo, da situação grave de impunidade que grassa na sociedade e a pouca eficácia no aparelhamento com mecanismos que permitam vencê-la.

O calor das emoções, embora justas, pode obscurecer alguns pontos importantes, nesta luta para reorientar os fluxos desoladores que estão configurando o dia a dia da sociedade contemporânea.
Entre estes pontos não se pode, absolutamente, descartar a questão fundamental que é a capacidade de autocriticar-se.
A especialização alcançada, mais ou menos por todos, tem exercitado as inteligências na direção de desferir juízos a respeito de situações várias, e de cada outro em particular.

É fácil julgar e condenar o outro.
Como é forte o gosto para se cultivar maledicências, culpar os outros se eximindo de assumir responsabilidades.
Em razão disso muita gente mente deslavadamente, acusa os outros, arma ciladas e, a todo custo, justifica sua própria situação e a mantém, ilusoriamente, convencida de se estar na direção certa.
Já é uma subcultura perversa esta de justificar-se como bom na medida em que se desprestigia e encontra motivos, até mesmo falsos, para dizer que o outro não é e desmoralizá-lo.
Não é este um defeito peculiar da cultura contemporânea.
Na verdade, esta é uma deficiência, de certo modo congênita, ao coração humano.
É muito fácil criticar e emitir juízos a respeito dos outros e das situações em estando, enquanto juiz, de fora e distante.
Por isso mesmo, as pessoas são extremamente exigentes quando se trata de reclamar os próprios direitos, de serem atendidas nos seus pleitos ou na satisfação de suas necessidades.
O mesmo não se verifica, tendo como referência a si mesmo, quando diz respeito a respostas dadas aos outros, comprometimentos, a verdade dos fatos e uma generosidade solidária.

A maestria de Jesus tratou esta questão na condução dos seus discípulos.
No Sermão da Montanha, Jesus, orientando a conduta dos seus seguidores, para dar-lhes um instrumento existencial eficaz na recuperação da ética e da condição de um agir moralmente correto, dialoga assim com os seus: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Como poderás dizer a teu irmão: Deixa, irmão, que eu tire o argueiro do teu olho, não vendo tu mesmo a trave que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão.” ( Lc. 6:41-42)

O juízo temerário é um risco, agravado pela falta de autocrítica.
Aí está, incontestavelmente, uma raiz determinante desta falta de ética que vai permitindo tudo no que diz respeito a si mesmo, com a morbidez de julgar os outros, com uma perda lastimável e comprometedora da capacidade de, em primeiro lugar, fazer o seu próprio julgamento.
Este farisaísmo, condenado por Jesus, está medrando largamente nos corações, e assoreando a capacidade ética da solidariedade.
O convite à conversão, neste tempo, aponta nesta dinâmica, como capítulo primeiro.
É a coragem de tirar primeiro o cisco do próprio olho.
Este exercício abre caminho à solidariedade e ajusta a própria conduta.

Não devemos temer ser rotulados de hipócritas a ponto de ficarmos estáticos em nossa vida cristã, escondendo a nossa fé e não fazendo esforço algum para  crescer.
Uma pessoa que frequentemente tenta acertar, porém falha, não é hipócrita.
Este também não é o caso daqueles que cumprem os seus deveres, mesmo quando não sentem vontade de fazê-lo.
É frequentemente necessário e bom colocarmos de lado os nossos desejos, a fim de fazermos aquilo que precisa ser feito.
Não é hipocrisia ser franco na fé; hipocrisia é a pessoa que tem um comportamento, a fim de ganhar atenção, aprovação ou aprovação dos outros.


Amém!!!

Nenhum comentário: