“Propôs-lhes também
uma parábola: Pode, porventura, um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no
barranco? O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for
bem instruído será como o seu mestre. Por que vês tu o argueiro no olho de teu
irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Como poderás dizer a
teu irmão: Deixa, irmão, que eu tire o argueiro do teu olho, não vendo tu mesmo
a trave que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então,
verás claramente para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão.” ( Lc. 6:39-42)
Jesus
não disse que devemos ignorar o mal, mas que não devemos ficar tão preocupados
em notar os pecados dos outros a ponto de descuidarmos de nossa vida, incidindo
nos mesmos erros.
Jesus
contou esta parábola aos discípulos.
O
conhecimento abundante, disponibilizado pelos muitos meios e mecanismos
existentes, hoje, no contexto da sociedade contemporânea mundial, bem como o
acesso ao incalculável volume de informações têm configurado uma situação muito
peculiar e perigosa.
Parece
ser incoerente e inexata uma asserção tal.
Ora,
não é lógico, e é pouco racional pensar, que na medida em que se conhece mais e
mais se obtém, com facilidade, informações em grande quantidade e necessárias
que se configurem riscos e prejuízos.
Conhecimento
e informações, de per si, têm a faculdade de evitar riscos, superar obstáculos
e trazer benefícios.
Contudo,
é verdade que o conhecimento ampliado e as informações numerosas estão
conduzindo as pessoas numa dinâmica que não lhes tem permitido alcançar uma
capacidade mais profunda, no dia a dia, no que diz respeito à autocrítica.
A
autocrítica é um indispensável instrumento para que se conquiste, alimente e
toda pessoa se mantenha dentro dos parâmetros e princípios éticos norteadores
da vida comum do quotidiano e nas grandes questões.
O
fato é que o conhecimento e as informações estão especializando as
inteligências nesta grande capacidade de avaliar e emitir juízos.
Isso
é bom? Obviamente que sim.
Qual
é, então, o lado ruim da questão se é que ele possa existir?
Este
lado ruim existe sim.
Sua
existência é comprometedora para que valores éticos possam presidir mais a
conduta, seja em nível individual quanto social e político, como condição imprescindível
para içar a sociedade deste marasmo no qual ela está enterrada, abrindo-lhe um
horizonte novo.
Ora,
assiste-se a um desenrolar de raciocínios e posicionamentos que apontam
soluções para o problema da violência, por exemplo, quando se fala da
diminuição da idade penal.
Este
foco fica desconectado, por exemplo, da situação grave de impunidade que grassa
na sociedade e a pouca eficácia no aparelhamento com mecanismos que permitam
vencê-la.
O
calor das emoções, embora justas, pode obscurecer alguns pontos importantes,
nesta luta para reorientar os fluxos desoladores que estão configurando o dia a
dia da sociedade contemporânea.
Entre
estes pontos não se pode, absolutamente, descartar a questão fundamental que é
a capacidade de autocriticar-se.
A
especialização alcançada, mais ou menos por todos, tem exercitado as
inteligências na direção de desferir juízos a respeito de situações várias, e
de cada outro em particular.
É
fácil julgar e condenar o outro.
Como
é forte o gosto para se cultivar maledicências, culpar os outros se eximindo de
assumir responsabilidades.
Em
razão disso muita gente mente deslavadamente, acusa os outros, arma ciladas e,
a todo custo, justifica sua própria situação e a mantém, ilusoriamente, convencida
de se estar na direção certa.
Já
é uma subcultura perversa esta de justificar-se como bom na medida em que se
desprestigia e encontra motivos, até mesmo falsos, para dizer que o outro não é
e desmoralizá-lo.
Não
é este um defeito peculiar da cultura contemporânea.
Na
verdade, esta é uma deficiência, de certo modo congênita, ao coração humano.
É
muito fácil criticar e emitir juízos a respeito dos outros e das situações em
estando, enquanto juiz, de fora e distante.
Por
isso mesmo, as pessoas são extremamente exigentes quando se trata de reclamar
os próprios direitos, de serem atendidas nos seus pleitos ou na satisfação de
suas necessidades.
O
mesmo não se verifica, tendo como referência a si mesmo, quando diz respeito a
respostas dadas aos outros, comprometimentos, a verdade dos fatos e uma
generosidade solidária.
A
maestria de Jesus tratou esta questão na condução dos seus discípulos.
No
Sermão da Montanha, Jesus, orientando a conduta dos seus seguidores, para
dar-lhes um instrumento existencial eficaz na recuperação da ética e da
condição de um agir moralmente correto, dialoga assim com os seus: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu
irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Como poderás dizer a
teu irmão: Deixa, irmão, que eu tire o argueiro do teu olho, não vendo tu mesmo
a trave que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então,
verás claramente para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão.” (
Lc. 6:41-42)
O
juízo temerário é um risco, agravado pela falta de autocrítica.
Aí
está, incontestavelmente, uma raiz determinante desta falta de ética que vai
permitindo tudo no que diz respeito a si mesmo, com a morbidez de julgar os
outros, com uma perda lastimável e comprometedora da capacidade de, em primeiro
lugar, fazer o seu próprio julgamento.
Este
farisaísmo, condenado por Jesus, está medrando largamente nos corações, e
assoreando a capacidade ética da solidariedade.
O
convite à conversão, neste tempo, aponta nesta dinâmica, como capítulo primeiro.
É
a coragem de tirar primeiro o cisco do próprio olho.
Este
exercício abre caminho à solidariedade e ajusta a própria conduta.
Não
devemos temer ser rotulados de hipócritas a ponto de ficarmos estáticos em
nossa vida cristã, escondendo a nossa fé e não fazendo esforço algum para crescer.
Uma
pessoa que frequentemente tenta acertar, porém falha, não é hipócrita.
Este
também não é o caso daqueles que cumprem os seus deveres, mesmo quando não
sentem vontade de fazê-lo.
É
frequentemente necessário e bom colocarmos de lado os nossos desejos, a fim de
fazermos aquilo que precisa ser feito.
Não
é hipocrisia ser franco na fé; hipocrisia é a pessoa que tem um comportamento,
a fim de ganhar atenção, aprovação ou aprovação dos outros.
Amém!!!
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