Um
renomado pintor ministrava uma aula a um grupo de aspirantes a artistas e lhes
falava sobre composição artística.
Entre
as composições inapropriadas para uma obra de arte, ele tomou como exemplo a
pintura de paisagens.
Afirmou
ser errado retratar locais como florestas sem pintar no meio da paisagem um
caminho para fora das árvores, e disse: “Quando um artista pinta uma paisagem
desse tipo, deve sempre inserir uma saída. Caso contrário, a densa mistura das
árvores e a falta de espaços entre elas deprimem e causam ansiedade nos
observadores.”
Resumindo,
para esse pintor toda obra de arte deve produzir um sentimento de esperança de
maneira que o desamparo e o sofrimento sejam retratados.
Davi
nunca visitou museus de arte, mas conhecia muito bem as paisagens da agonia e
sabia o valor de um caminho para fora delas.
Nesse
sentido, sua vida poderia ser colocada em um quadro.
Ele
sofreu várias perseguições injustas, principalmente nos dias de Saul, nos quais
os assessores reais faziam intrigas contra o salmista e acirravam o ódio do rei
contra ele.
Por
isso, certa vez, Davi questionou Saul: “Disse
Davi a Saul: Por que dás tu ouvidos às palavras dos homens que dizem: Davi
procura fazer-te mal?” (I Sm. 24:9)
Infelizmente,
a perseguição prosseguiu até a morte do rei, mas, ainda assim, Davi seguiu em
frente até que ele mesmo assumiu o trono de Israel.
O
fato de ele não ter entrado em desespero e desânimo diante de tamanha tirania e
sofrimento, mantendo-se fiel a Deus, faz com que sua vida deva ser analisada e
imitada por nós.
Se
ele tivesse buscado vingança ou, afobado, tomasse decisões erradas e
impensadas, sua história seria uma dentre milhares que terminam mal.
Porém,
ao final de tudo, depois de ver o Senhor como o caminho para fora da
tribulação, Davi saiu fortalecido, confirmado como rei e descrito como um homem
segundo o coração de Deus.
Isso
ocorreu porque as provações que atravessou não o destruíram, mas serviram de
instrumentos divinos para o seu aprimoramento.
Nesse
processo, três momentos sucessivos tornam o servo de Deus apto à vida de
serviço e edificado para enfrentar outras batalhas, alcançando vitórias na
causa do nosso Senhor.
I.
O
primeiro momento desse processo de aprimoramento é justamente a tribulação
Ela
é vista logo no início do salmo na oração de Davi: “Livra-me, SENHOR, do homem perverso, guarda-me do homem violento.”
(Sl. 140:1)
Esse
pedido é muito revelador no que tange à situação do salmista, que, pela ação
dos perseguidores, corria risco real de morrer.
O
risco vinha da determinação que seus inimigos tinham de fazer o que fosse
preciso para destruí-lo.
Seu
empenho em causar o mal era tão grande que o escritor descreve partes do corpo
dos seus perseguidores empenhadas na ação cruel.
1.
O
coração:
“cujo coração maquina iniquidades...” (Sl. 140:2a)
Em
seu íntimo, os inimigos de Davi acalentavam sentimentos negativos contra ele e
maquinavam planos perversos a fim de abatê-lo. A cada dia renovavam não apenas
sua inimizade, mas seus intentos de perseguição. “...e vive forjando contendas.” (Sl. 140:2b)
Se
o íntimo dos homens violentos abrigava ódio e planos maus, o restante do corpo
trabalhava ativamente para cumprir os desejos do coração.
2.
A
boca:
“Aguçam
a língua como a serpente; sob os lábios têm veneno de áspide.”
(Sl. 140:3)
Usando
a figura de uma cobra peçonhenta, Davi se refere às coisas que seus inimigos
falavam a seu respeito a fim de torná-lo odioso aos outros e reunir um grande
grupo contra ele.
O
fato de serem comparados a serpentes aclara suas ações traiçoeiras, perigosas e
mantidas por meio de palavras mentirosas que incitavam outros homens a ter o
mesmo ódio.
3.
A mão:
“Guarda-me, SENHOR, da mão dos ímpios, preserva-me do homem violento, os
quais se empenham por me desviar os passos. Os soberbos ocultaram
armadilhas e cordas contra mim,
estenderam-me uma rede à beira do caminho, armaram ciladas contra mim.” (Sl.
140:4- 5)
Se
a boca promovia ações em outras pessoas, com as próprias mãos os inimigos de
Davi se envolviam pessoalmente na busca do seu fim.
Não
havia preguiça, nem cansaço, mas determinação em armar ciladas injustas para o
servo de Deus.
II.
O
segundo momento é a oração
Se
no primeiro momento o servo de Deus é colocado sob enorme pressão, da qual não
pode se livrar sozinho, a sequência é a derrocada ou a dependência de Deus.
Davi
escolheu a segunda opção e recorreu ao Senhor em oração.
Essa
tem dois enfoques.
O
primeiro deles é o livramento pessoal: “Digo
ao SENHOR: tu és o meu Deus; acode, SENHOR, à voz das minhas súplicas.” (Sl.
140:6)
O
relacionamento com Deus é o que leva o salmista a pedir que o Senhor não apenas
ouça seus pedidos, mas os atenda.
E
Davi tem razões para buscar a Deus, já que, no passado, ele fora protegido pelo
Senhor.
“Ó SENHOR, força da minha salvação,
tu me protegeste a cabeça no dia da batalha.” (Sl. 140:7)
A
palavra aqui traduzida como “batalha” (nasheq) tem o significado de
“armamentos” ou “equipamentos militares.”
Desse
modo, quando os exércitos se armaram para a batalha, Deus protegeu Davi como se
fosse um capacete, preservando-lhe a vida.
Por
isso, teve ânimo de orar a respeito da presente situação que sofria : “Não concedas, SENHOR, ao ímpio os seus
desejos; não permitas que vingue o seu mau propósito.” (Sl. 140:8)
Apesar
de a oração citar os ímpios, até aqui o beneficiado pela resposta à oração é o
próprio salmista.
Na
sequência, Davi fala sobre a ação perversa dos inimigos, de modo que o segundo
enfoque da sua oração é a punição da injustiça: “Se exaltam a cabeça os que me cercam, cubra-os a maldade dos seus
lábios.” (Sl. 140:9)
Em primeira instância, o
desejo de Davi por justiça envolve uma ação reversa dos planos malignos dos
perseguidores, de modo que eles mesmos caiam nas armadilhas que armaram, assim
como aconteceu com os perseguidores de Daniel.
"Ordenou o rei, e foram
trazidos aqueles homens que tinham acusado a Daniel, e foram lançados na cova
dos leões, eles, seus filhos e suas mulheres; e ainda não tinham chegado ao
fundo da cova, e já os leões se apoderaram deles, e lhes esmigalharam todos os
ossos." (Dn. 6:24)
Sua
oração imprecatória demonstra o tamanho da maldade dos perseguidores e,
consequentemente, o grau da devida punição.
“Caiam sobre eles brasas
vivas, sejam atirados ao fogo, lançados em abismos para que não mais se
levantem.” (Sl. 140:10)
A segunda instância da
oração por justiça envolve a condição futura de abatimento pleno dos ímpios.
“O caluniador não se
estabelecerá na terra; ao homem violento, o mal o perseguirá com golpe sobre
golpe.” (Sl. 140:11)
Esse
duro clamor revela que Davi não desejou tomar a justiça em suas próprias mãos,
mas, assim como Jesus, entregou sua causa a Deus para que Ele julgue
corretamente e no momento devido.
"Pois ele, quando
ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas
entregava-se àquele que julga retamente." (I
Pe, 2:23)
III.
O
terceiro momento é a confiança
Apesar
de muitos crentes orarem no meio das aflições, mais por hábito que pela
esperança de serem atendidos, Davi espera, sim, ter sua oração respondida.
Mais
que isso: ele sabe que Deus promove justiça não apenas para ele, mas para
aqueles que são injustiçados.
“Sei que o SENHOR manterá a
causa do oprimido e o direito do necessitado.” (Sl.
140:12)
É
claro que ele não tem em mente cada pessoa que sofre perseguição, mas os que as
sofrem enquanto são justos, ou seja, servos verdadeiros de Deus.
“Assim, os justos renderão
graças ao teu nome...” (Sl. 140:13a)
Na
verdade, Davi vislumbra o desenrolar dessa ação não apenas no tempo presente,
mas na eternidade.
“...os retos habitarão na
tua presença.” (Sl. 140:13b)
Assim,
a confiança na bondade e na justiça de Deus fez o salmista sair do fundo de uma
cova aberta para ele e se ver prostrado alegre e reverentemente diante do trono
do Senhor.
Aqui
termina o processo de aprimoramento que foi iniciado nas chamas da agonia e do
sofrimento.
Felizmente,
a maioria de nós não tem de fugir de inimigos audazes, traiçoeiros,
manipuladores, violentos e ferozes que querem nos tirar a vida.
Entretanto,
sofremos muitas perseguições brandas, mas destrutivas, que nascem em corações
invejosos, despeitados e falazes.
Sofremos
com intrigas, com mentiras, com falsidades e com armações que nos tiram a paz
e, muitas vezes, até a alegria de viver.
É
uma pena que muitos crentes se deixam abater nessas circunstâncias e até deixam
de frequentar a igreja.
Como
Davi, cada um de nós, em situações assim, deve confiar no Senhor e buscá-lo em
oração, abstendo-se de agir mal para com os outros e com descaso diante de
Deus.
Esse
é, muitas vezes, o processo que inicia no fogo da tristeza e da desilusão e
termina no nosso crescimento e edificação e na adoração Àquele que sempre é
para nós o caminho para fora da densa floresta da tribulação.
Amém!!!
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